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Foto do escritorPatrícia Binz

Cafés: elaboração e avaliação sensorial

Sim, a bebida tem muito a ver com o mundo vinícola



O fantástico mundo dos cafés também tem muita relação com o vinho. Conversei com a barista e mestre de torras Marília Zanelato e o produtor de um conteúdo rico sobre cafés Mateus Costa. Eles contaram detalhes sobre as variedades, regiões produtoras, métodos e serviço (veja ao final deste artigo o link direto do bate-papo no canal da ABS-RS no YouTube).


Mas por qual razão é tão complexo escolher café? “São mais de 1000 compostos aromáticos, enquanto o vinho tem cerca de 200 reconhecidos. Então degustar e sentir todas essas nuances que o café pode oferecer é bem complexo e depende do quanto você está disposto a investir em grãos de qualidade e em métodos de preparo para que você tenha o melhor produto desse grão. E aos poucos, conforme vai conhecendo grãos melhores, vai aguçando o paladar e ficando mais exigente”, ensina Marília. Segundo ela, entender o que dá o aroma ao grão de café e compreender essa complexidade é um caminho longo, pois requer muito estudo e alimentação do que chamou de “biblioteca sensorial”.


“Acredito que é preciso entender que existem dois aspectos que afetam o sabor do café: a origem, onde é cultivado e como é torrado, e saber que são mais de 50 países que produzem café e que cada um é diferente. Por isso é importante escolher grãos de origem única, pois as misturas podem fazer com que a gente perca as particularidades de cada grão”, disse. Ela também explicou como é a torra. “São três etapas: a pirólise, a caramelização e a finalização." lista.


Porém, como as diferentes torras têm influência no gosto e na qualidade? Para Marília, a cor da torra é de extrema importância. Ela explicou que as mais claras, por exemplo, vão acentuar as melhores características do café. “Somos brasileiros colonizados por italianos. Os italianos gostam de café intenso, com uma torra mais escura, com presença de notas de chocolate amargo e cacau. A gente se acostumou a uma torra intensa desde então. Falando do Brasil, os cafés que apresentam torra mais escura são aqueles com mais defeito se for moída, quando estamos falando daquele da gôndola do supermercado, porque a torra escura pode ser uma opção do torrefador”, declara. “Eu tenho um estilo diferente de alguns colegas, mas todos trabalham com torra majoritariamente média. As minhas são médias escuras porque meus clientes gostam de cafés complexos e encorpados, com notas de nuts tostadas e chocolate amargo”, disse.


Assim como a videira, as safras são muito variáveis. Alguns produtores começam a colher no final de maio e outras no início de agosto, por exemplo. “A safra é de grande importância. Se tem um ano bom na roça, vai ter um ano bom na xícara. Ou seja, anos sem chuvas imensas, sem frios horríveis, será uma boa colheita. Depois de ter colhido bem, o que ainda influencia é a forma como secou o café. Se está com um café em terreiro, chove demais, e ele não foi coberto, estraga. É como colher uva no dia de chuva e num dia ensolarado. O tempo é o maior influenciador da qualidade do café”, revela Marília.


Mateus sugeriu a melhor maneira de migrar para os cafés especiais. “O primeiro passo é se inconformar com o sabor e buscar opções que hoje estão presentes em supermercados, cafeterias, torrefações e também na internet. Aconselho, baseado em todas as estatísticas que já vi, as torras média-escuras, pois são mais palatáveis e atrativas para quem está começando. São cafés mais doces, com notas de amêndoas, castanhas e, às vezes, com um pouco de amargor. É difícil apresentar um café muito complexo, fermentado, com alta acidez para quem está começando. Por isso, sempre recomendo começar com notas mais doces, com o café especial ou até mesmo o gourmet. Até porque às vezes a pessoa não tem acesso a uma cafeteria que ofereça boa torrefação na sua cidade. É o primeiro passo para um caminho sem volta. O segundo passo é o explorador, depois de conhecer um pouco pode comprar mais artesanais, com torras excelentes. E, por fim, pode experimentar um pouco mais, por meio das torras mais complexas e ousadas. Brinco que estou começando essa fase agora, pois não é fácil identificar todo esse paladar do café”, conta.


“Sempre prefiro indicar cafés artesanais, mas nem todos têm acesso. Então sempre indico as marcas mais tradicionais. A L’Or tem um café em grãos para expresso. Um ótimo investimento é um moedor de café. A partir do momento que você compra, você já está melhorando o frescor do seu café, e esse gourmet em grãos já é bom para tomar no dia a dia. Já o especial pode ficar para momentos específicos. Gosto de café de combate para o dia a dia, pois às vezes você não quer um café elaborado. A 3 Corações e a Melitta já estão trazendo isso. São ótimas marcas para começar, mas não pare por aí. É um mundo inteiro a explorar”, recomenda Mateus.


Na avaliação sensorial de cafés, existem rodas de aromas como costuma ter para os vinhos. “Existe uma roda de aromas que é basicamente a do vinho, mas com 800 possibilidades a mais. A avaliação sensorial funciona fazendo. Você define o método, escolhe o que te agradar e for acessível. Hoje existe a versão brasileira e define parâmetros, mói uma quantidade de café e passa. Existe o cupping, que é como se fosse uma degustação de vinhos, mas de café. Então vou ter o mesmo grão com uma torra, o mesmo com outra, todos com a mesma quantidade de água e café e granulometria, feitos na mesma hora. Colocamos colheres de cupping, removemos a crosta do café, quando ele sobe porque fica leve, e dá uma colherada como se fosse de sopa, engole e ele passeia na sua boca como o vinho”, detalhou Marília. “Da mesma forma que a língua age em relação ao beber vinho, ela age no beber café. Você bebe, vai na roda de sabores e lista frutas amarelas, chocolate amargo etc. Café é o vinho dos árabes, pois era considerado um vinho. Inclusive, as esposas muçulmanas tinham direito a seis xícaras de café por dia, ou então podiam se separar dos maridos”, lembra Marília.


“Já fiz cursos sobre avaliação sensorial até para ajustar o paladar. O cupping é uma técnica muito legal, mas não é do dia a dia das pessoas. Quando vou comprar o café, faço o padrão Melitta, a V60 e prensa francesa, já que temos de nos aproximar da realidade das pessoas. Café é referência, pois quanto mais você toma, mais você vai criando referência. Gosto de enfatizar que tem de ser prazeroso. Até evito um pouco falar de notas sensoriais, porque às vezes as pessoas querem sentir uma nota de avelã e quando isso não acontece, afasta um pouco da experiência. Mas falo muito de características, como café mais doce, mais amargo, deixa um retrogosto legal na boca. Vale a pena testar o que uma pessoa com bagagem sugere e gosta, mas repito: tem de ser prazeroso. As pessoas também têm uma tendência a julgar muito a pontuação que um café recebe de críticos, mas não devemos beber pontos”, ensina Mateus.


Sobre a autora: Patrícia é Nutricionista, pós-graduada em Gestão de Marcas (branding) e Mestre em Turismo e Hospitalidade, com o tema Gastronomia Sustentável, todos pela Universidade de Caxias do Sul. Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase em segurança de alimentos e sustentabilidade nos serviços alimentares. Possui formação complementar na área de bebidas, sendo nível 3 Wine & Spirits Education Trust (WSET) e candidata ao Diploma WSET. Também é Sommelier Profissional e Sommelier Master pela Associação Brasileira de Sommeliers - RS (ABS-RS). Atualmente é consultora e docente em cursos de vinhos, assim como atua em eventos e experiências enogastronômicas. É professora e diretora de marketing na Associação Brasileira de Sommeliers – RS.

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