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Espanha vive enchente no aniversário de outro desastre climático

Há 145 anos, La Riada de Santa Teresa deixou marca nos vinhedos da região

 

Por Maurício Roloff

Vice-presidente, diretor de ensino e professor da ABS-RS


A força do clima mais uma vez se fez perceber por meio de uma tragédia. Desta vez na Espanha, onde a comunidade autônoma de Valência foi severamente atingida por enchentes. A experiência mostra – e os gaúchos, ainda impactados pelas chuvas de maio/2024, sabem bem – que é cedo para tentar dimensionar prejuízos.


Manu Fernandez/AP

Moradores da cidade de Chiva, província de Valência, observam prejuízos causados pelas enchentes


Reprodução de vídeo produzido pela Reuters

Vinhedos afetados pela tempestade na província de Valência


No que toca ao setor vitivinícola, renomadas Indicações Geográficas como Alicante, Valência e Utiel-Requena devem apresentar perdas, pois estavam na rota mais crítica da tempestade. Numa triste coincidência, a inundação chegou no aniversário de outro evento extremo que deixou cicatrizes na região. Há 145 anos, a La Riada de Santa Teresa alagou a Costa Mediterrânea espanhola.


Em 1879, uma seca severa vinha devastando a produção agrícola local e motivando orações pela chegada da chuva. No dia 15 de outubro daquele ano, quando se celebra Santa Teresa de Ávila, a enxurrada provocou o transbordamento de rios, que causaram quase 800 mortes, destruíram cidades e dizimaram safras inteiras. As zonas de Múrcia e Alicante foram particularmente atingidas.


Gravura da Riada de Santa Teresa por Múrcia, ocorrida em 1879, de Gustave Doré


A recuperação levou anos, e com a indústria vinícola não foi diferente. Ainda que marcada por um histórico de altos e baixos, os vinhos da Costa Mediterrânea espanhola guardavam boa fama, herança da era de ouro de Valência no Século 15. Por volta de 1470, a cidade era a mais populosa da Península Ibérica, com pujança motivada pela localização estratégica de seu porto, exportando vinho aos demais territórios do reino de Aragón. 


De volta ao Século 19: curiosamente, um dos vetores de restabelecimento da atividade enológica após as enchentes foi a crise filoxérica. Quando ela se espalhou pela França, as províncias de Valência e Múrcia foram acionadas para fornecer a bebida ao país vizinho. A praga custou a atingir a região, especialmente nos recantos mais a oeste, seja por barreiras topográficas naturais ou pelo alto pH do solo (a exemplo da DO Jumilla). Os tintos atendiam bem o paladar dos franceses, sobretudo os feitos de Monastrell – variedade espanhola que além da fronteira seria chamada de Mourvèdre.


A verdadeira ameaça aos vinhedos locais viriam a ser as tensões políticas do século seguinte, principalmente a Guerra Civil de 1936. A batalha sangrenta que dividiu o país levou os opositores do ditador Francisco Franco a transformar Valência e arredores num dos últimos redutos de resistência. Entre conflitos armados, bombardeios e escassez de mão de obra, o cultivo da uva foi duramente atingido.


Ao vencer, em 1939, Franco desestimulou a vitivinicultura na Espanha como um todo. Para a Costa Mediterrânea, uma tímida recuperação só foi possível a partir da morte do ditador (1975) e da entrada do país na União Europeia (1986). Mesmo assim, a zona não retomou o mesmo grau de importância do passado, estando hoje eclipsada por regiões mais reconhecidas.

 

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