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Incêndios florestais: danos aos vinhedos podem ser revertidos nos vinhos?

Pesquisas testam métodos para mitigar aromas negativos impregnados nas uvas em decorrência da exposição à fumaça das queimadas


Samuel Corum / AFP / Getty Images

Grandes incêndios atingiram região do Nappa Valley, nos Estados Unidos, em 2020.


Por Caroline Dani

Biomédica, sommelier e presidente da ABS-RS


Os incêndios que assolam boa parte do país tem sido tema de todos nós nos últimos dias. Seja pela preocupação pela destruição das florestas, plantações, bem como pelo efeito da fumaça que tem chegado a todas as regiões brasileiras. 


As causas desses incêndios são diversas, mas as mudanças climáticas constam entre as principais. Infelizmente as queimadas não são tema exclusivo nosso, têm acontecido em várias outras nações, dentre elas Portugal, Austrália e Estados Unidos. E o que temos em comum? São todos importantes produtores de uva e vinho. E as queimadas são um grande problema pois podem comprometer toda uma safra, seja pela destruição das plantas, ou também pelo aroma de queimado que podem aparecer nos vinhos, configurando um defeito significativo.


E como solucionar isso?

Muitos estudos foram realizados e publicados em revistas especializadas buscando alternativas para mitigar os danos causados pelas queimadas aos vinhedos e ao vinho elaborado com essa matéria prima.


Em um destes artigos, publicado em 2019 na renomada revista científica Journal of Agriculture and Food Chemistry, um grupo canadense examinou métodos potenciais para reduzir o impacto que a exposição à fumaça tem nas uvas para vinho. Segundo a literatura, o odor decorrente dessa situação é um defeito na bebida que pode ocorrer quando as bagas em maturação absorvem fenóis voláteis.


Esses compostos estão associados aos atributos sensoriais de aroma e sabor observados no vinho e são derivados das uvas, da ação de leveduras e bactérias durante a fermentação, da madeira de carvalho e das transformações químicas que ocorrem durante o envelhecimento.


Neste estudo, os autores utilizaram sprays agrícolas normalmente aplicados para proteger uvas de patógenos fúngicos e um spray usado para evitar rachaduras nos frutos. Ambos foram avaliados pela capacidade de inibir aumentos nas concentrações de fenóis voláteis. 


Os resultados indicaram que uma cutícula artificial aplicada uma semana antes da exposição à fumaça simulada de um incêndio florestal (uma a duas semanas após a fase pintor) pode impedir significativamente um aumento nas concentrações de fenóis voláteis durante o processo de amadurecimento. Esse resultado pode mitigar as perdas de colheitas sofridas globalmente pela indústria vinícola afetada pelas queimadas.


Mais recentemente, em publicação de agosto na mesma revista, um grupo australiano buscou entender o papel de elementos que podem reduzir o efeito destes danos às videiras. Sob o titulo Amelioration of Smoke Taint in Wine via Addition of Molecularly Imprinted Polymers during or after Fermentation (https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.jafc.4c03912), foi avaliado o potencial dos polímeros de impressão molecular (MPIs) para amenizar o odor de fumaça por meio da remoção dos fenóis voláteis durante ou após a fermentação. 




Dependendo da duração da exposição, esse compostos derivados da fumaça, formados através da degradação térmica da lignina vegetal, acumulam-se na casca e na polpa em formas glicoconjugadas e resultam em bebidas com características desagradáveis ​​de fumo, medicinais e acinzentados, comprometendo a qualidade do produto. 


Nos vinhedos, pode-se tentar proteger as videiras contra a exposição à fumaça com o uso de tecido de carvão ativado como cobertura protetora. Ou ainda, adotar os revestimentos funcionais em spray, como os aplicados no estudo feito pelo grupo canadense. Já com a uva na vinícola, é possível limitar a duração do tempo de contato com a pele, moderando a extração dos compostos não desejáveis e melhorando a percepção sensorial final.


Atualmente, as estratégias de remediação mais eficazes continuam sendo a remoção de compostos de odor de fumaça usando materiais absorventes como o carvão ativado. Estes podem ser adicionados diretamente ao suco ou ao vinho, ou usados ​​em combinação com filtração por membrana para minimizar a perda de constituintes desejáveis ​​na bebida.


Polímeros impressos molecularmente (MIPs) são materiais sintéticos feitos sob medida para ligar seletivamente um ou mais compostos alvo. Apesar de algum impacto em outros voláteis aromáticos e na cor do vinho tinto, os resultados demonstram que os MIPs podem melhorar os produtos com matéria-prima contaminada pelo fumo. Esse método pode ser aplicado tanto na fase pré ou pós fermentativa. Como no primeiro caso, a técnica é logisticamente mais desafiadora, sendo mais conveniente a aplicação após a fermentação passando vinhos contaminados por fumaça, sejam brancos ou tintos, através de colunas cheias de MIPs. O processo agora pode ser ampliado e otimizado para remediação de volumes comerciais de suco, mosto ou vinho contaminados com fumaça.


Samuel Corum / AFP / Getty Images

Vinhedos em Calistoga imersos em fumaça dos incêndios na Califórnia (EUA), em 2020


Mas e nós Sommeliers sentimos o impacto dessas queimadas? Sim, porque o defumado pode ser um dos aromas identificados no vinho.


Então, eis a dúvida. Uma revisão realizada por um grupo australiano buscou traçar estratégias para diferenciar esses aromas de um possível defeito. Nessa revisão os autores concluem que a avaliação sensorial de vinhos produzidos a partir de uvas potencialmente expostas ao fumo é um desafio: a resposta dos indivíduos aos compostos voláteis da fumaça, como o guaiacol, é conhecida por ser variável, e pesquisas recentes mostraram um grande grau de variação interindividual na sensibilidade ao guaiacol e também ao glicosídeo de guaiacol. Portanto, os indivíduos que são sensíveis a esses fenóis e glicosídeos voláteis experimentam um sabor prolongado de fumaça e, como consequência, os efeitos de transferência são uma preocupação nas avaliações sensoriais de fumaça*.


Sabemos que muitos estudos ainda são necessários para compreendermos essas diferenças e, infelizmente, o impacto desse problema que tende a ser cada vez mais recorrente em nossa realidade.


* (Parker M, Jiang W, Siebert TE, Herderich MJ. Smoky Characters in Wine: Distinctive Flavor or Taint? J Agric Food Chem. 2024 May 1;72(17):9581-9586. doi: 10.1021/acs.jafc.4c00811. Epub 2024 Apr 22. PMID: 38647217.)





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