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Foto do escritorCaroline Dani

Polifenóis: da videira ao consumidor

Esses compostos não trabalham apenas pelo bem-estar das pessoas, mas também das plantas



O Paradoxo Francês, expressão utilizada para referir a contradição existente entre a alimentação rica em gordura dos franceses e baixa incidência de morte por doença cardiovascular, ligando principalmente o hábito de beber vinho com a saúde. A teoria defende, no entanto, que não basta apenas ingerir a bebida, mas que o hábito deve fazer parte de todo um estilo de vida. Com o passar do tempo e dos estudos realizados a base dessa discussão centrou-se nos polifenóis.

Os polifenóis são metabólicos secundários elaborados pela videira como mecanismo de defesa por situações de estresse (crescimento, estresse hídrico, sol, micro-organismos, dentre outros). Estes compostos são concentrados em especial na casca e na semente e são transferidos para os derivados da uva conferindo características essenciais, como acidez, adstringência e cor. Assim como eles respondem pela saúde da videira, também contribuem para a nossa saúde. Existem inúmeros experimentos científicos que demonstram os efeitos benéficos no consumo destes compostos, dentre eles: antioxidante, anti-inflamatório, proteção cardiovascular e pelo equilíbrio da microbiota.


O consumo moderado de uma taça (para mulheres) e de duas (para homens) por dia, ambas de 120 ml, reduz a mortalidade por doença cardiovascular entre 24% e 31%. O assunto é longamente debatido no artigo de nome Wine Polyphenol Content and Its Influence on Wine Quality and Properties: A Review, publicado por Rocio Gutierrez Escobar, Maria Jose Aliano Gonzalez e Emma Cantos Villar na revista cientifica Molecules e também foi tema do Bella Ciao conduzido por mim no dia 15 de março (você pode acessar a aula completa ao final deste artigo).


Compostos do vinho

O vinho é composto por água, álcool e alguns metabólicos, como os compostos hidrogenados, polifenóis, carboidratos, minerais e ácidos orgânicos. Como destaquei no início deste artigo, eles são produzidos em razão do estresse pelo qual a videira passa. É uma espécie de anticorpo da planta que permanece na uva e em todos os seus derivados. Os polifenóis são influenciados por fatores externos, como temperatura, oferta de água e os raios UV. Como a enologia ensina, quanto mais deficiência de água para a videira, maior será o grau Brix [escala numérica de índice de refração de uma solução, utilizada para determinar, de forma indireta, a quantidade de compostos solúveis numa solução de sacarose, utilizada geralmente para suco de fruta].


Existem duas grandes classes de fenólicos: os flavonoides – responsáveis por alguns taninos e pelas antocianinas, que dão coloração para o vinho – e os não-flavonoides, onde o resveratrol é o composto químico mais conhecido. A uva é uma fruta que possui mais de 8 mil compostos fenólicos e já foram atribuídos a eles ações antimicrobianas, antioxidantes, anti-inflamatório, vasodilatora, etc. Mas tenham muito cuidado: muitos desses estudos foram feitos apenas in vitro, em laboratório, ou seja, utilizando polifenóis isolados e não fazendo testes com humanos. Por essa razão, é contraindicada a suplementação por polifenóis isolados, sendo sempre indicado a ingestão dos derivados da uva, lembrando sempre com a devida moderação. Veja, a seguir, os principais componentes químicos do vinho de uma forma bastante didática (em inglês).



Todos os polifenóis definem em grande parte a qualidade do vinho, devido à sua contribuição para suas propriedades sensoriais. Sua quantidade depende do contato com as partes da uva e das escolhas enológicas, como o uso ou não de maceração malolática que fará com que o ácido málico se transforme em lático modificando o perfil dos polifenóis. Na uva eles estão relacionados diretamente com a casca, polpa e sementes. Na casca se apresenta o resveratrol, inclusive, enquanto na polpa se fazem presentes as antocianinas (responsáveis pela cor) e nas sementes estão os taninos. Como se vê, vários fatores influenciam para a maior ou para a menor extração de compostos fenólicos, como o próprio vinhedo, seu fruto, a elaboração do vinho e também sua estocagem.


As castas tintas têm mais polifenóis que as brancas e as Viníferas se comportam do mesmo modo em relação à variedade Labrusca. Isso está relacionado com o grau de estresse sofrido pela planta e sua relação com certos parâmetros envolvidos com o terroir. Ter maior quantia de uvas para produzir vinhos também redundará em menor número de polifenóis. A maior ou menor viabilidade de água é mais importante que a temperatura e as horas de sol. Um estudo brasileiro provou isso mostrando que a quantidade de polifenóis na Syrah era maior na Chapada Diamantina do que em Pernambuco, em virtude do solo e do clima temperado. Como Pernambuco, que tem clima mais quente, propiciou menor quantidade de produção desses compostos. O Merlot da Serra Gaúcha também é rico em polifenóis, diferentemente da casta colhida em outras regiões do país. Já na Espanha se descobriu que o terroir é mais importante que o cultivar propriamente dito. Também se descobriu que os bioestimulantes, obtidos a partir de plantas, como broto de vinhedos ou extratos de carvalho, provaram ser uma ferramenta útil para aumentar a concentração de compostos fenólicos em uvas e vinhos.


A fase mais importante para conseguir polifenóis de qualidade no vinho é o processo pré-fermentativo. Nessa fase, a casca da uva se rompe facilmente quando exposta a uma temperatura acima de 70 graus por um curto período de tempo, lembrando que o álcool só se tornará presente no processo seguinte. A adição de enzimas pode ajudar a extrair mais polifenóis também, enquanto a maceração carbônica longa não é tão benéfica quanto a curta, tendo em vista a presença de oxigênio, pois pode oxidar pela perda do hidrogênio.


A estocagem correta dos vinhos também é algo definidor para a qualidade dos polifenóis. A temperatura ideal é de 15 graus, mas a partir de 25 graus já existe perda destes compostos. Sem contar que a variedade vinífera utilizada no vinho também pode tomar o mesmo caminho. Outro estudo espanhol evidenciou que um vinho envelhecido por seis meses em uma garrafa apresentou perda de 66% dos polifenóis para a Cabernet Sauvignon e de 43% para a Tempranillo. Parte dos polifenóis também são transmitidos para a bebida por causa da passagem pelas barricas de carvalho. A ação do polifenol, que ganha complexidade com a barrica, forma mais polímeros e faz com que tenhamos vinhos com menos taninos, principalmente pela polimerização, ou seja, moléculas maiores que fazem com que a adstringência reduza.


A dieta mediterrânea ensina que o vinho exercerá uma função benéfica para a saúde se vir acompanhado de outras iniciativas muito importantes, como atividade física regular, consumo frequente de água e o convívio com as pessoas. A uva e seus derivados, como podemos aprender neste artigo e na aula do Bella Ciao, são ricas fontes de polifenóis e saber equilibrar a ingestão desses elementos com parcimônia definirá como podemos viver ainda melhor.



Sobre a autora: Caroline Dani é Diretora de Relacionamento com Alunos da ABS-RS. Sommelier profissional formada pela ABS-RS/ABS-SP. Possui graduação em Biomedicina pela Universidade Feevale (2004), mestrado (2006) e doutorado (2008) em Biotecnologia pela Universidade de Caxias do Sul (2006). Pós-doutorado na Georgetown Lombardi Comprehensive Cancer Center na Georgetown University, Washington, DC, EUA. Atualmente é professora do do Programa de Pós Graduação em Farmacologia e Terapêutica da UFRGS. Pós-Doutoranda na UFRGS. E membro da Comissão de Segurança e Saúde da OIV no Brasil. Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase em Bioquímica da Nutrição.



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