O método pode ensinar muito sobre a bebida
Você já deve ter ouvido falar que a melhor forma de degustar vinhos e aprender é às cegas, não é mesmo? Essa é uma forma de avaliar essa bebida sem julgá-la pelo rótulo e sem ter informações sobre o produtor, região ou safra. O método foi o ponto central da aula que lecionei no Bella Ciao recentemente (veja ao final deste artigo o link direto desta lição no canal da ABS-RS no YouTube).
Antes de tudo, degustar significa apreciar com atenção. Por essa razão muitas degustações que vemos por aí, como a em supermercados, não se encaixam no conceito, pois os consumidores não experimentam realmente de forma a dar atenção e avaliar os alimentos e bebidas nessas ocasiões. Assim, quem estuda, terá de ter mais consciência e concentração para tirar alguma conclusão sobre determinado produto. A especialista Silvia Dutcosky costuma dizer que a aparência, o visual de um alimento, antecipa-se na recepção de todas as outras informações. Um vinho alaranjado já nos passa a impressão de certos aromas, porém ele pode conter outros completamente distintos do que se espera – mais um motivo para utilizar a taça preta, como explico a seguir.
Vendar os olhos pode funcionar em um experimento lúdico, ou é possível usar taças totalmente pretas em acrílico que, em um ambiente não muito iluminado, faz com que o degustador não seja influenciado nem mesmo pela cor. Existem outras formas da cor não influenciar nesse processo, como em luzes apropriadas em laboratório de análise sensorial, que tem metodologia própria e finalidade científica. E também, nesses casos, o gosto pessoal não deve ser levado em conta.
A degustação às cegas também é usada em concursos internacionais de sommeliers e de vinhos. Concursos como o Master Sommelier e o Melhor Sommelier do Brasil fazem com que o candidato descreva seis vinhos em 25 minutos. No Master of Wine a tarefa é ainda mais desafiante: são 36 rótulos. Já um painel sensorial é um grupo selecionado com o objetivo de degustar determinados produtos. Para tanto, é preciso ter capacitação prévia e fazer alinhamentos com o grupo antes aplicando testes. É comum ter um vinho inicial que não valerá pontuação alguma, pois ele serve apenas como uma baliza de como serão as diferentes gradações de corpo, álcool ou taninos, por exemplo.
Quando não é em uma degustação às cegas técnica, o local e a condução normalmente não serão tão apropriados, e influenciarão ainda mais na prática, por isso, os itens a seguir devem ser observados. As principais influências são o ambiente, incluindo seus aromas, como madeira em vista da arquitetura do local, o método utilizado, a condução da degustação, as companhias, o clima e o humor. Sabe-se que podemos ser influenciados de algum modo e de várias formas. Se cada um de nós já é influenciado por todas essas nuances, imagine termos informações sobre o vinho, como a região, o produtor, a safra, ou até mesmo o tipo de vedação ou o formato da garrafa. Rodrigo Fonseca, chefe do restaurante Teste Vin, de Belo Horizonte (MG), costuma dizer que a degustação às cegas é um teste de humildade. Pois realmente, é uma prática complexa e que exige muito conhecimento.
É importante destacar que também somos influenciados por todos os nossos sentidos em uma degustação, inclusive pelos ouvidos ao sentir, por exemplo, o borbulhar de um espumante, o que nos dá percepção de refrescância e acidez. A ficha técnica da ABS-RS é um modelo que pode ser usado nesses casos. Ao degustar devemos, inicialmente, analisar os aspectos visuais, direcionando a taça para um fundo branco para analisar cor e intensidade. A limpidez e o brilho são outras características que devem ser analisadas nesse primeiro contato com a bebida. O passo consequente se dá pelo olfato, onde sentimos os primeiros aromas sem agitar a taça. Depois, girando a mesma, poderemos perceber outros ataques aromáticos no nariz e um tanto de sua complexidade. Como demonstra a figura a seguir, os aromas são moléculas voláteis presentes no ar que são sentidos pelos receptores elétricos do cérebro que precisa de uma linguagem básica para interpretar esse leque de cheiros. Ou seja, é preciso que conheçamos o maracujá para afirmar que determinado vinho lembra o aroma e sabor dessa fruta.
Por fim, degustamos e temos de perceber o corpo, o álcool, a acidez, a doçura, a quantidade e a textura dos taninos para, por fim, chegar a uma conclusão sobre a qualidade geral do vinho.
Caso você queira formar uma confraria para se habituar a fazer degustações às cegas, recomendo que iniciantes devem começar com três a cinco amostras. Com mais tempo de experiência do grupo, é possível aumentar esse número para cinco a dez amostras. Em um painel técnico são cerca de 40 a 60 rótulos por turno, por exemplo, apenas para efeito de comparação. Procure fazer degustações horizontais, ou seja, utilizando produtos da mesma safra, mesmo que os produtores e uvas sejam distintos. Nesse caso, buscamos comparar as diferenças de terroir. Já em degustações verticais são provadas diferentes safras de um mesmo vinho, onde também buscamos as diferenças entre elas.
A técnica do impostor também pode ser bem interessante. Nesse caso, provando exemplares da Serra Gaúcha, a título de exemplo, coloque um vinho da Bulgária. Será um bom aprendizado sobre qualidade. Fazer painéis de diversas regiões e uvas também pode ensinar muito. Costuma-se colocar o vinho mais caro por último, mas recomendo que não se faça isso. O melhor é trocar essa ordem, pois a experiência mostra que as pessoas tendem a achar que o último sempre é o mais caro. Nessa linha, procure não criar certos hábitos, como esse, que podem viciar uma degustação em uma confraria. Também lembre-se de não usar perfume ou fumar, pois interferem diretamente na percepção dos aromas. Quando começar a confundir uma amostra com outra, hidrate-se ou até coma um biscoito de água e sal.
Por fim, é possível ser neutro em uma condução de uma degustação às cegas? Não há saída: ela terá de ser a mais neutra possível, pois mesmo em uma confraria, que não tem um viés técnico, podemos influenciar os convidados, seja pela empolgação que falamos ou mesmo de outras maneiras, como já citei nesse artigo. Talvez, até pelo fato de não percebermos, seja muito difícil ser totalmente neutro, mas devemos perseguir esse caminho sempre, seja entre amigos e, ainda mais, sendo profissionais.
Sobre a autora: Patrícia Binz é diretora de marketing da ABS-RS. Sommelier Profissional pela Associação Brasileira de Sommelier-RS (ABS-RS) e nível 3 pela WSET. Formada em nutrição pela UCS, atua na área de consultoria no ramo alimentício há uma década e há quatro anos na docência de cursos em gastronomia e vinhos. É food hunter da plataforma “Destemperados” e wine hunter para restaurantes e eventos. Possui especialização em gestão de marcas e o título de mestre em turismo e hospitalidade, também pela UCS. Atualmente é consultora e docente em cursos de vinhos e head sommelier no grupo Casa Hotéis. Tem experiência na área de nutrição, com ênfase em segurança de alimentos e sustentabilidade nos serviços alimentares.
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